quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Escombros de Eros

Arquivada, nos escombros da inconsciência,
A paixão, de felholho, polvilhada e carcomida de traças.
Uma sombra úmida e bolorenta da face dela,
Como um retrato dadaísta, torto, na parede infiltrada,
Do quarto oblongo, de uma mente torpe.
O pedido devido, suplicante da atenção, dela denegado,
Carimbado de escarro, na gaveta emperrada da lembrança.
Entulhos de nós, no mesmo piso lameiro de desejos,
E, só, num canto, o lamento de perde-la
Perdido na memória vaga e fosca de seus olhos.
Uma fresta ínfima invade, lânguida, o som de sua voz
E, curiosa, a mente vaga no turvo esquecimento desse eco.
Cobertos de engano, os momentos,
No cômodo cerrado da consciência oca.
Pois, no lar de abandono asilado, o amor,
De Eros, em puro tempo de prazer e delírios,
Ora, diluído sobre túnica escura e pesarosa da alma fria.
Que flui gotejante e perturbada e insone,
A feminilidade sinistra e feminista inculta
Plantada num corpo cinzento arroxeado
Pela asfixia da compostagem da mentira.
A indigna saudade, enterrada com ossos putrefatos da beleza de amar
No poema fétido do enamorado vilipendiado
E, no sono lancinante, post vitam
Restaura-se a desilusão fumegante
Sobre o chorume licoroso do abraço da ausência
Della donna.



Maggour Missabbib,

Agosto, 2015.

Tarde ou Cedo

É tarde,
Vedada, a verdade.
E tua voz já sem tom,
No madrigal, é-me insolente
E, à tarde, o turturino
Das lamentações destoa
Das lembranças...

É muito tarde,
Embora ir, não é razão,
Ficar, porém, insulta,
E, no arrebol, os sons tocantes,
O encantamento, despem,
Solene, alegrias...

Já era noite,
Sorrisos e desencantos,
No abraço da escuridão,
Envelopada foi, a voz,
Que desvelava o prazer
E, amanhã, silêncio só...

É cedo,
Não vai, embora, a saudade
Só ficará,­ ausência,
Se liberado,
O querer...



Malkah,
5777




Assentimento


 Olhar, ponto distante,
Sentir aproximado o sentido
E, perder a direção.

Olhar, o interior, o mais íntimo,
Ressentir o significado distante
E, achar-se no sentido errado.

Adereça-te um olhar,
Desconcertado, condescendente
Que, não encontra, tua luz.

Do âmago, brota a ilusão,
Que descortina a verdade,
Que significa o sentido.

Vê e não apreende,
Entende e não conhece,
Mas, assentido, sabe o itinerário.

Já é manhã, o bem é passado,
Amanhã reencontra o ser
Que, ontem se foi...
Sem adeus.


Malkah
5777



terça-feira, 29 de novembro de 2016

Caro amigo

A amizade é uma fonte plácida e perene. Nada, nada muda seu fluxo. Como torrentes, contorna todos os obstáculos e segue invicta.
Estar presente no cotidiano é apenas uma face da amizade, que transpõe a barreira espaço-temporal. Tem raízes profundas, arraigadas na firmeza dos sentimentos mais puros e verdadeiros.
A amizade abriga e consola e nutre a alegria daqueles por ela enlaçados. Como planta frutuosa e resistente às intempéries, a amizade se cultiva de pequeninos encontros e solicitudes.
Não há espaço para cardos, espinheiros e aridez, sua seiva não seca com a calmaria e não se esvai pelo rigidez do tempo e do clima. Amigos são úteis e a sua comunhão revigora e a faz vicejar o melhor de um para com o outro.
É árvore frondosa e sob sua copa os amantes se restauram e cultivam o bem numa contemplação perene.
A amizade reconhece o valor verdadeiro e cria o bem comum dos amantes. Permite e liberta o outro no qual se reconhece e é vivificada. Nasce um amigo no convívio e perdura nos tempos, longe ou perto um amigo é caro, mais caro que o preço da vida.
A contemplação da amizade produz alegria e contentamento. A comunhão é a felicidade compartilhada, é o clímax da fruição e da utilidade. O amigo é caro porque é realmente útil é oferece-se irrestrito e condescendente, porque é sincero e (re)conhece a amiga nas contingências e não se furta à verdade, mas é compassivo e longânimo, crendo sempre e esperando sempre o melhor.
Na amizade não há ignorância. Nela o maior bem é predileção à pessoa dileta. Assim, as almas de dois comungam além do tempo e do espaço e confrontam juntas as amarguras e as dores, buscando sempre o ótimo da compartilhação. Pode-se escolher uma pessoa por predileção e tornar-se amigo dela, e dessa ação deliberada de amar brota amizade cujo cimento é a verdade, pura e simples.
O desejo de ser algo útil para o escolhido, a intenção de se oferecer sem cobranças e sem preconcepções. Desde a aproximação ao aprofundamento nas límpidas águas da amizade há uma história que somente os nela batizados podem compreender e partilhar.
Eis, porque um amigo é tão caro, porque compõe naturalmente a beleza e força da história individual e com isso é a parte compreensível de sua própria vida.
Na amizade a amizade se reconhece como tal, e fora dela não há lembrança da bondade que pode enlaçar os amigados...

Malkah, 5776

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Poesia: desejo e fel

Vindo ao meu encontro
Nosso enlace, um suspiro,
E a prometer o conforto
Da tua boca, o meu respiro:
                                                                Essa voz que me comove.
Buscando sob neblina,
Sem encontrar, contudo,
Destes olhinhos a menina,
Faz, do querer, absurdo,
                                                                     A quem, a razão, pouco absorve.
Dei-lhe por confiança
O atributo mais caro,
Encantar-se da esperança
Como d'um tesouro raro,
                                                                     A quem, a tristeza, remove.
Signo insignificante
Este torpe desejo ao léu,
Sem razão por um instante,
Poema em rusgas e fel,

                                                                     A quem,  o prazer, aprove.

Minha sana loucura
A que, te renove, a alegria,
E da lembrança, a candura,
Rebuçarei a poesia, 

                                                                  A quem, minha alma, move.


Malkah, 5777.

domingo, 13 de novembro de 2016

Favônios

A lua amarela
Sobre o lago prateado
O amante amado
Na face rosada 
Da amada 
Tão bela.

Em noite tão clara
Sob céu pontilhado
A amante amada 
No semblante suave  
Do amante 
 tão belo.

Sob a luz de uma vela
E um lírio no 
Canto
O amado sussurra
Uma canção de amiga
A amante suspira
No prazer
Do instante.

E, o lume prateado 
Sobre plácidas águas
No balanço do encanto
Murmúrio da fonte
Os braços do amado
embalam
A amante.

Fluindo,
Dos lábios da noite,
Favônios do luar
despertam
Nos amantes
Desejos de amar...


Malkah,
1300


.


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O véu da formosura


O turvo manto ao entardecer
Cai suave como orvalho. 
Sobre a verdura,
A saudade, o véu da noite, 
Cobre a face
Fulgurante da candura.

Fenece a luz,
Floresce desesperanças!
E, logo, a coberta sem brancura,
Com o doce lume do luar,
De pontilhados e de lembranças,
No firmamento, pele escura
Vêm, do poeta, a embalar,
A tristezura...

No efêmero e solitário,
Silêncio e canção sem agrura,
Vão-se dissipando temores,
Em lindos sonhos,
Todos prazeres, 
No coração
Da ternura,
No leito puro,
Outros amores,
Sob o véu
Da formosura...

Melk Vital,

5777

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O tempo o jardineiro e a flor

A flor, o tempo e o jardineiro

A flor não ama o jardineiro
Mas, também, não ele, cultiva a flor.
A bela, que deve ser amada,
Cativa-o, e no seu tempo,  faz vicejar,
O olor que entre eles,
Em tempo os germina,
Causando a flor no jardineiro, o amor...

Não é a flor que fenece, que passa.
Não e o tempo que faz o amor se perder
É o momento do jardineiro que se finda,
Deixando a flor de cultivar, jardineiro
Parece o tempo, de seu perfumar esmaecer...
Floresce o tempo
O jardineiro desvanece
A flor se esquece de espargir o seu olor
Aparece a dor e o jardineiro que perece,
Deixando a flor, de cultivar
Fenece o amor...



Malkah, 1275 dias



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Lacrimae

ÁGUAS DAS DORES

Se dos olhos
Lágrimas teimam
Em fluir,

E a alma seca
Quiser dessedentar-se

Não há esperança
Se a alegria
A fonte estanca

Crescendo a dor, a mágoa,
Embebe o ser,
Que desfalece

De amor...

Melk,

Março, 2003

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

HUMANITÓRIO

Tábula rasa 
Desde as profundezas
Sou...
Inscrevam-se em mim
As maledicências e os engodos
Nessas garatujas 
Transliterem as aflições de todos
Na rasura das falsas emoções
Gozem o prazer de desprezar-me!

Seja rasa a tábua
Ríspida e contorcida
De fibras embuchadas 
De nós..,

Tragam ainda seiva
De ignorância e desqualidade!
Sou como lençol
Ao vento, quarando.
Sou tábua de séquito,
Um sândalo podre no lago.

Dei a minha face
Nela inscreveram escárnios
Lamentações 
Prantos 
Risos
Falsidades...
Faceei um muro de lodo
E, ao lado profundo, nada
A tábua encurvada desta nau.

Maggour Missabbib, 5743

EUDAIMONÍA FELICTAS

SOCRATI et ZENONI

Felicidade é virtude, virtude não reside na fortuna externa, riqueza, honra, fama, ou coisas semelhantes. Porém, na autossuficiência, uma espécie de ordenação racional da intenção... 

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Do gostar em mim

Gosto de gostar
É um poema
Uma melodia
Um anverso...
E,
Gostar de ti
É uma chuva de verão
Como uma monção no deserto
Ou uma rocha suspensa no desfiladeiro...
De ti gostar
Os cedros florescem no outono
As torrentes refrescam as pradarias
Os pomares vicejam
As rosas desabrocham...
Gostar de ti gostar
É uma jornada à promissão
Um acerto sem alvo
Uma ideia lúdica e perigosa...
De te gostar em mim
É uma partida sem destino
Um retorno sem lugar
Uma decisão cabal...
Do gostar do gosto
Às margens do amanhã
Às vésperas das cataratas
No fim de tudo que sou
Gosto do gosto de ti em mim...


Melk Vital, 5776

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Palavras em pedra

Esta era a canção
Que filosófica cantava eu
Enquanto o sol rubro
Surgia no horizonte poluído.
De engodo era o canto, de saudade,
As palavras em pedra
Fizeram o coração combalido
Espinheiro entre flores primaveris.
E ao brotar da verdade,
Que no canto entoado,
Despertava a liberdade,
E as palavras em pedra
Vagavam pela cidade.
Onde estão as flores,
Que o vento leva o perfume,
Odorando da noite o lume?
E os rebentos da primavera,
E a relva crespa do verão?
Onde estão as palavras agora?
A bendição do amanhecer,
Os sons que encantavam amantes,
Nas rochas do entardecer?
E as palavras em pedra
Ao despontar a justiça
E o homem escorregadiço
Do invejado viço
Entrega-se a lassidão.
E as palavras em pedra
Transcritas à linha não-reta
Atormentavam na alma
Do filósofo o poeta.


Malkah, 5776

Poema Sem Fim

Escreve p'ra mim
Um poema sem fim
sem começo 
sem meio.

E nas enterlinhas
Fala do meu amor
Meu desejo
Meu ser.

Escreve p'ra mim,
Sem papel
Sem tinta
Sem calor 
Sem emoções,

                                um triste poema...

                        "... no galho da vida
                         estava dependurado
                      o medo da morte."

Melk, jan1998

terça-feira, 14 de junho de 2016

Ser sem Ser



Um mundo sem ti
Devorado por Chronos;
Límpido céu sem nuvens, sem chuva, sem sol.

Um dia sem ti
O tempo inerte e a luz fosca;
Cristalino ribeiro sem peixes, sem leito, sem margens.

Um ser sem ser
Dissolvido no tempo;
Fluída alma sem impulso, sem paixão, sem razão.

Um encontro fortuito
Determinado momentâneo;
Dura lei muda, ágrafa, surda, injusta.

Chronos, de tempos em tempos,
Tu, todos os momentos,
No mundo, no céu, no ribeiro, na alma.

Um ser nuvens,  luz,  impulso
Razão na voz inscrita
Às margens do leito comunal
Descerra teu desencanto
Num mundo sem mim.



Malkah, 5776

quinta-feira, 9 de junho de 2016

O tempo é a comprimento do movimento entre o eu e a alteridade

O tempo não é algo, não é tangível, nem largo, nem estreito, nem raso, nem profundo; não pode agir sobre as coisas, não pode afectá-las, corroendo-as ou aperfeiçoando-as. Não tem existência autônoma, sua essência é a inconstância do pensar, i.e., do movimento daquilo que nos traz a consciência. 

O tempo é o modo de medir a nossa relação com o cosmos, é uma engenharia mental, um ato sensório-raciocinativo, aplicado para determinar a distância e, consequentemente, o movimento de atração e repulsão entre o eu e a alteridade. O momento existe, é algo tangente. Eu sou, no espaço infindo, o instante de encontro com o mundo; é o método entre a inconciência e a luz da percepção. 

Mas, o tempo é a noção construída nas profundezas do eu por aquilo que me põe a pensar. Aquilo que me transpõe da incognoscibilidade ao cognoscente, do ímpeto à expressão, da potencialidade racional à atividade intelectual. Isso que me faz consciente arbitra a noção elementar cronológica, i.e., a senquencialidade imagética da percepção, para que o eu saiba a diferença entre o si e o ser, entre o todo e a parte, antes, durante e depois da completude. 

O tempo, não é o caso, mas o cálculo sensacional ou racional, a razão métrica entre o eu e o outro, na proporção do movimento que nos permite tengir e a energia modificada. Como, então, o indivíduo parte do nascedouro à morte num processo claramente conduzido pelo tempo? Sim! As marcas do desgaste, da corrosão são ditas marcas do tempo. Contudo, não são! A corrosão não advém com o tempo, mas nosso modo de perceber a inicialização, o crescimento, o desgaste, a corrupção e o fim das coisas, a isso denominamos "tempo".

Porém, ele per se não atua sobre a natureza das coisas, mas subsiste na razão delas, de sorte que se algo deixa de ser, a mensuração da distância e da diferença entre o próprio e a alteridade deixa de ser razoável, muda na percepção, passando a uma paixão da alma, sem valor verdadeiro para a vida, que é o instante de encontro com o mundo, onde o facto é a pura percepção e a realidade é o desejo da razão cosmética...


Melk Vital

Junho, 2016

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Bocadas de desejos

bocas que se devoram,
devoram lábios, línguas
deglutem salivas
comem prazeres
lambem outros lábios
sugam seios sinuosos
mordiscam mamilos maduros
bocas lívidas, vívidas, carnudas
profundas que versam segredos
de palavras desbocadas
de sorrisos e de beijos
bocas que buscam o prazer
bocas que se entregam
aos desjesos...

Malkah
5776

Lírio orvalhado


Lily couvert de roseé

L'enchantement du poète
Nature simple bénie
Son sourire clair de lune
Sur la mer du matin
D'argenture le front orné
Avant de l'aube ...

Son charmant visage
Comme la lune entre les nuages
Lys blanc couvert de rosée
Le baiser de la candeur
Et ses yeux que des lumières
Parmi les branches de saules
Tient le poète fou

Alb peau de sa nudité
Comme fruit angélique
Embrassé par la légère brise
pétales écarlates lascives
Du désir elle enviait,
Aurait-elle les cheveux aussi?

Cachant tous les délices
Qu’au poète rendent ivre
Ce que rougissent
Le velours virginale
Lèvres quels fleur rose
Chuchotement le mot amour
Au poète marginal ...

Melk Vital, 5776  

Lily couvert de roseé

Lily couvert de roseé

O encanto do poeta
A simples beata natura
Por seu sorriso como luar
Sobre o mar da madrugada
Prateando a fronte ornada
Antes do alvorecer...

Sua face encantadora
Como lua entre nuvens
Lírio branco orvalhado
Pelo beijo da candura
E seus olhos como luzeiros
Entre ramos de salgueiros
Leva o poeta à loucura

Alva pele nua dela
Como fruta angelical
Pela brisa suave beijada
Lascivas pétalas carmim
O desejo a inveja
Teria, ela, pelos assim?

Escondendo as delícias
Que ao vate embriagam
Fazendo enrubescer
O veludo virginal
De lábios qual rósea flor
Sussurrando o termo amor
Ao poeta marginal...

Melk Vital, 5776

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Desejo de vancê

Eu queria ao menos um beijo
Para amainar meu desejo;
Um afago caloroso,
Me fizesse sentir o gozo
E transladasse de mim
Essa saudade sem fim,
Desde a falta de vancê!

Um beijo não bastaria,
Mas outros chamegos trariam
Fogosa possibilidade
Que minorasse a saudade, 
Desta ausência de vancê.

Seria bom que me viesse 
E outros xodós pudesse
Me arrefescer a tensão,
Abrissem-me os seios fartos,
P'ra me livrar deste fardo
Da privação de vancê.

Se ora cadente de amor
É que não suporto, amor,
A presença de tua ausência,
Na carência de consciência, 
Que não anseia os beijos meus,
Quais só desejam ... vancê.

Melk Vital,
1138 dias