quinta-feira, 5 de abril de 2012

Ontogênese de institutos humanos


Neste ensaio pretendo apresentar de maneira subjetiva e bem sucinta alguns conceitos no campo das ciências sociais e das humanas, trabalhados ao longo da minha vida educacional. É, portanto, imprescindível esclarecer que o objetivo desse trabalho é demonstrar algum conhecimento, pretensamente inteligido, sobre os temas: sociedade, Estado, governo e política. E, também, na medida do possível abordar as dependências recíprocas entre esses “entes”.
Nessas ciências, a constituição da sociedade apresenta-se como fenômeno natural; várias correntes teóricas têm em comum esse pressuposto; divergindo, contudo, quanto a sua configuração e conformação estrutural. No âmbito conceitual Hobbes e Spinoza assumem que o estado de natureza do homem é de guerra, enquanto que para Locke e Pufendorf é de uma paz precária, e para Rousseau é um estado de felicidade. No entanto, para todos eles, é no limiar desse estado de natureza que surge a organização social, a qual, de alguma maneira, está imiscuída na definição o Estado de direito, na perspectiva contratualista.
O Estado é produto da sociedade. Surge das relações interpessoais no embate dos interesses individuais e de grupos constituídos por comunidade de interesses, que conformam a sociedade civil, como organismo impulsionado por forças internas, configurada por tensões e movimentos em direção ao bem-estar e utilidade comuns. Nessa definição resta a ideia de que o Estado é uma personificação da sociedade em processo civilizatório. Isso partindo do pressuposto de que a civilização não alcançou seu nível ótimo; mas utiliza de mecanismo de implementação, através de estatutos delineadores e reguladores e de controle dos impulsos dos interesses grupais e individuais. Essa concepção contém a essência do Estado como “ente” amorfo, que personifica os anseios da sociedade humana.
No escopo desse arranjo orgânico (sociedade/estado) o tônus é a violência. Isso quer dizer que o interesse do mais forte prevalece. A atuação forçosa coercitiva para validar um determinado interesse acha-se legitimada na brandura dos interesses vencidos. Daí, grupos sociais fortes legitimam o status do Estado, por meio de metaforização de cidadania, conferindo-lhe aparência natural. O Estado, por seu turno, é legitimador dos interesses dos grupos que lhe dão tal conformação. Esse ciclo vicioso, dificilmente, se rompe... quando acontece isso, o conjunto de eventos que provocam qualquer ruptura, nesse status quo, pode bem ser definido como revolução; que em essência é involução das forças de tensão no interior das estruturas sociais.
A sociedade funciona como um sistema orgânico, altamente complexo. As forças coesivas no seu interior resultam da diversidade de interesses. As relações que se desenvolvem para gestão das diferentes perspectivas de interesses é a política no sentido lato. Em termos orgânicos: o sujeito vive conflitos os mais diversos, desde os mais pessoais e íntimos aos de caráter mais coletivo. Em todo caso vê-se diante de situação de escolha e deliberação. Em se tratando de foro íntimo articula com suas próprias convicções e, atua para fazer valer o seu escolha: essa é a perspectiva do atomismo político de Foucault. Tendo em conta que o indivíduo é parte inexorável do conjunto social histórico-geográfico onde está inserto, é plausível relativizar que a agregação dos históricos, conflitos e interesses individuais constituem conjunto sociocultural do estado nação. No agrupamento sociocultural historicamente constituído há efervescência pujança de atos políticos naturais que em conjunto constituem a polis ou comunidade civilizada praticando: política civil, que supera o interesse pessoal em busca do bem comum.
Biologicamente o homem é um animal dotado de instinto de preservação, mas também dotado de intelecto. Quando se agrupa é para autopreservação, isso é de certo modo impulso, mas quando elabora estratégias de ordenação coletiva e define prioridades é ato intelectivo. Então pode-se dizer que a política do ponto de vista natural é o ato de defesa dos interesses de maneira mais próxima do instintivo; outrossim, do ponto de vista cidadania é  mais racional. Concluímos, portanto, que entre a natureza política e o processo civilizatório do exercício da cidadania há um campo de combate. Por conseguinte, entendo que é na lide travada nesse ético que surge a política institucional, dando origem ao estado de direito personificado no Governo.
Numa analogia filosófica, arrisco dizer que o Governo é o corpo, a estrutura tangível, e o Estado é seu animus, a estrutura etérea, invisível e latente. Nesse sentido, o Estado figuraria a substância, o Governo a forma; portanto, são indissociáveis. Razão pela qual, muitas vezes, são confundidos, porque o Governo é que aparece personificando o Estado e atuando em seu nome.
Entendo que é por impulso de volição da sociedade civil que nasce o Estado, este por sua vez, pelo ato primordial da política civil, se manifesta fisicamente como Governo, a quem é delegada a defesa dos interesses comuns. E, para consecução de suas prerrogativas é-lhe facultado o Poder, i.e., a potência total de agir, ou mesmo possibilidade de que o humano possa determinar comportamentos do homem. Enfim, o humano se agregou para autoproteção, pensou o Estado, e deste, conformou o Governo, outorgando-lhe o Poder. Tal potência, agindo em nome da sociedade civil, tem na sua ontogênese a incumbência de proteger o interesse comum, para tanto, detém a faculdade da Política Pública, cuja essência é o apaziguamento dos conflitos e a minoração das desigualdades. Contudo, o interesse prevalente, entorpece a criatura monstruosa, simulando naturalidade, pela metaforização da cidadania, subverte o bem comum, agindo como ladrão estacionário, dilapidando os bens civis até à medida de sua capacidade produtiva... E, o ciclo do status (re)constitui as contingências histórico-culturais, intensificando a luta pela sobrevivência.
O pensamento humano evolui enquanto reverbera nesse ciclo do status. As contingências consubstanciam espaços culturais historicamente demarcados. É nesse lócus que germina a ideia educação. Não é oriunda de política pública, ao contrário; sua filogênese é o prazer gerado pela cidadania, como prática do exercício da plenitude do direito civil. Não se confunde, nem sequer na aparência, com a escolarização. Educo: é o verbo latino cuja essência é conduzir. Não se pode conduzi alguém pelo vazio, ou pelo nada. Educar pressupõe a ideia de uma cartografia, de um território, onde se passeia, ludicamente, vivenciando a natureza e inteligindo as coisas dela. Esse é o conceito original de educação.
Infelizmente o entendimento contemporâneo é de que educação é dever do Estado. De fato, não o é! A escolarização talvez. Educar é privilégio exclusivo da sociedade civil, na sua célula mais primordial. É dever sacrossanto da família; porque nesse contexto é conduzir a vida, conforme John Dewey: a educação não é para a vida ela é a própria vida. É imperativo que cada sujeito social seja imbuído dessa tarefa. É uma questão de preservação da espécie. Primitivamente somos gregários, mas também almados racionais; nossos sentidos nos conduzem, pela percepção; a natureza nos dá exemplo de que somos capazes de aprender. Se o aprender é um potencia natural humana a educação é a potencia que atualiza a aprendizagem, i.e., ajuda-nos a passar da potencia ao ato; atualizar, no sentido aristotélico, passar da possibilidade à ação, que é o sinal mais elementar de vida.
Se educar não é prerrogativa do Estado, qual é, pois, o seu papel? É, portanto, prover todos os meios, para que aqueles que têm potencialidade de ensinar como se conduzir pela vida, possam perpetrar o ato educacional; pela ludicidade, pela autenticidade, pela experienci(ação), pela reflexão e, sobretudo, pela utilidade. O homo economicus propugna a maximização da utilidade. Para tanto, o habitat físico da educação formal, a escola, não pode ter caráter punitivo, delimitador, mas libertário e amancipatório, onde o aprendiz seja causa, necessária e suficiente, do processo de desenvolvimento intelectual. Por conseguinte, o papel estatal é alocar recursos e fiscalizar sua aplicação, para consecução dos objetivos da instituição escola. Nesse âmbito a escola é autônoma, gerida pela comunidade educacional, com perspectiva de maximizar o desenvolvimento holístico do aprendiz.