sexta-feira, 17 de junho de 2016

Palavras em pedra

Esta era a canção
Que filosófica cantava eu
Enquanto o sol rubro
Surgia no horizonte poluído.
De engodo era o canto, de saudade,
As palavras em pedra
Fizeram o coração combalido
Espinheiro entre flores primaveris.
E ao brotar da verdade,
Que no canto entoado,
Despertava a liberdade,
E as palavras em pedra
Vagavam pela cidade.
Onde estão as flores,
Que o vento leva o perfume,
Odorando da noite o lume?
E os rebentos da primavera,
E a relva crespa do verão?
Onde estão as palavras agora?
A bendição do amanhecer,
Os sons que encantavam amantes,
Nas rochas do entardecer?
E as palavras em pedra
Ao despontar a justiça
E o homem escorregadiço
Do invejado viço
Entrega-se a lassidão.
E as palavras em pedra
Transcritas à linha não-reta
Atormentavam na alma
Do filósofo o poeta.


Malkah, 5776

Poema Sem Fim

Escreve p'ra mim
Um poema sem fim
sem começo 
sem meio.

E nas enterlinhas
Fala do meu amor
Meu desejo
Meu ser.

Escreve p'ra mim,
Sem papel
Sem tinta
Sem calor 
Sem emoções,

                                um triste poema...

                        "... no galho da vida
                         estava dependurado
                      o medo da morte."

Melk, jan1998

terça-feira, 14 de junho de 2016

Ser sem Ser



Um mundo sem ti
Devorado por Chronos;
Límpido céu sem nuvens, sem chuva, sem sol.

Um dia sem ti
O tempo inerte e a luz fosca;
Cristalino ribeiro sem peixes, sem leito, sem margens.

Um ser sem ser
Dissolvido no tempo;
Fluída alma sem impulso, sem paixão, sem razão.

Um encontro fortuito
Determinado momentâneo;
Dura lei muda, ágrafa, surda, injusta.

Chronos, de tempos em tempos,
Tu, todos os momentos,
No mundo, no céu, no ribeiro, na alma.

Um ser nuvens,  luz,  impulso
Razão na voz inscrita
Às margens do leito comunal
Descerra teu desencanto
Num mundo sem mim.



Malkah, 5776

quinta-feira, 9 de junho de 2016

O tempo é a comprimento do movimento entre o eu e a alteridade

O tempo não é algo, não é tangível, nem largo, nem estreito, nem raso, nem profundo; não pode agir sobre as coisas, não pode afectá-las, corroendo-as ou aperfeiçoando-as. Não tem existência autônoma, sua essência é a inconstância do pensar, i.e., do movimento daquilo que nos traz a consciência. 

O tempo é o modo de medir a nossa relação com o cosmos, é uma engenharia mental, um ato sensório-raciocinativo, aplicado para determinar a distância e, consequentemente, o movimento de atração e repulsão entre o eu e a alteridade. O momento existe, é algo tangente. Eu sou, no espaço infindo, o instante de encontro com o mundo; é o método entre a inconciência e a luz da percepção. 

Mas, o tempo é a noção construída nas profundezas do eu por aquilo que me põe a pensar. Aquilo que me transpõe da incognoscibilidade ao cognoscente, do ímpeto à expressão, da potencialidade racional à atividade intelectual. Isso que me faz consciente arbitra a noção elementar cronológica, i.e., a senquencialidade imagética da percepção, para que o eu saiba a diferença entre o si e o ser, entre o todo e a parte, antes, durante e depois da completude. 

O tempo, não é o caso, mas o cálculo sensacional ou racional, a razão métrica entre o eu e o outro, na proporção do movimento que nos permite tengir e a energia modificada. Como, então, o indivíduo parte do nascedouro à morte num processo claramente conduzido pelo tempo? Sim! As marcas do desgaste, da corrosão são ditas marcas do tempo. Contudo, não são! A corrosão não advém com o tempo, mas nosso modo de perceber a inicialização, o crescimento, o desgaste, a corrupção e o fim das coisas, a isso denominamos "tempo".

Porém, ele per se não atua sobre a natureza das coisas, mas subsiste na razão delas, de sorte que se algo deixa de ser, a mensuração da distância e da diferença entre o próprio e a alteridade deixa de ser razoável, muda na percepção, passando a uma paixão da alma, sem valor verdadeiro para a vida, que é o instante de encontro com o mundo, onde o facto é a pura percepção e a realidade é o desejo da razão cosmética...


Melk Vital

Junho, 2016