Neste
ensaio pretendo apresentar de maneira subjetiva e bem sucinta alguns conceitos no
campo das ciências sociais e das humanas, trabalhados ao longo da minha vida
educacional. É, portanto, imprescindível esclarecer que o objetivo desse
trabalho é demonstrar algum conhecimento, pretensamente inteligido, sobre os
temas: sociedade, Estado, governo e política. E, também, na medida do possível
abordar as dependências recíprocas entre esses “entes”.
Nessas
ciências, a constituição da sociedade apresenta-se como fenômeno natural; várias
correntes teóricas têm em comum esse pressuposto; divergindo, contudo, quanto a
sua configuração e conformação estrutural. No âmbito conceitual Hobbes e
Spinoza assumem que o estado de natureza do homem é de guerra, enquanto que
para Locke e Pufendorf é de uma paz precária, e para Rousseau é um estado de
felicidade. No entanto, para todos eles, é no limiar desse estado de natureza
que surge a organização social, a qual, de alguma maneira, está imiscuída na definição
o Estado de direito, na perspectiva contratualista.
O
Estado é produto da sociedade. Surge das relações interpessoais no embate dos
interesses individuais e de grupos constituídos por comunidade de interesses, que
conformam a sociedade civil, como organismo impulsionado por forças internas, configurada
por tensões e movimentos em direção ao bem-estar e utilidade comuns. Nessa definição
resta a ideia de que o Estado é uma personificação da sociedade em processo
civilizatório. Isso partindo do pressuposto de que a civilização não alcançou
seu nível ótimo; mas utiliza de mecanismo de implementação, através de
estatutos delineadores e reguladores e de controle dos impulsos dos interesses grupais
e individuais. Essa concepção contém a essência do Estado como “ente” amorfo,
que personifica os anseios da sociedade humana.
No
escopo desse arranjo orgânico (sociedade/estado) o tônus é a violência. Isso quer
dizer que o interesse do mais forte prevalece. A atuação forçosa coercitiva
para validar um determinado interesse acha-se legitimada na brandura dos
interesses vencidos. Daí, grupos sociais fortes legitimam o status do Estado,
por meio de metaforização de cidadania, conferindo-lhe aparência natural. O
Estado, por seu turno, é legitimador dos interesses dos grupos que lhe dão tal
conformação. Esse ciclo vicioso, dificilmente, se rompe... quando acontece
isso, o conjunto de eventos que provocam qualquer ruptura, nesse status quo,
pode bem ser definido como revolução;
que em essência é involução das forças de tensão no interior das estruturas
sociais.
A
sociedade funciona como um sistema orgânico, altamente complexo. As forças
coesivas no seu interior resultam da diversidade de interesses. As relações que
se desenvolvem para gestão das diferentes perspectivas de interesses é a
política no sentido lato. Em termos orgânicos: o sujeito vive conflitos os
mais diversos, desde os mais pessoais e íntimos aos de caráter mais coletivo.
Em todo caso vê-se diante de situação de escolha e deliberação. Em se tratando
de foro íntimo articula com suas próprias convicções e, atua para fazer valer o
seu escolha: essa é a perspectiva do atomismo político de Foucault. Tendo em
conta que o indivíduo é parte inexorável do conjunto social
histórico-geográfico onde está inserto, é plausível relativizar que a agregação
dos históricos, conflitos e interesses individuais constituem conjunto
sociocultural do estado nação. No agrupamento sociocultural historicamente
constituído há efervescência pujança de atos políticos naturais que em conjunto
constituem a polis ou comunidade civilizada praticando: política civil, que supera o interesse pessoal em busca do bem
comum.
Biologicamente
o homem é um animal dotado de instinto de preservação, mas também dotado de
intelecto. Quando se agrupa é para autopreservação, isso é de certo modo
impulso, mas quando elabora estratégias de ordenação coletiva e define
prioridades é ato intelectivo. Então pode-se dizer que a política do ponto de
vista natural é o ato de defesa dos interesses de maneira mais próxima do
instintivo; outrossim, do ponto de vista cidadania é mais racional. Concluímos, portanto, que
entre a natureza política e o processo civilizatório do exercício da cidadania
há um campo de combate. Por conseguinte, entendo que é na lide travada nesse
ético que surge a política institucional, dando origem ao estado de direito
personificado no Governo.
Numa
analogia filosófica, arrisco dizer que o Governo é o corpo, a estrutura
tangível, e o Estado é seu animus, a estrutura etérea, invisível e latente.
Nesse sentido, o Estado figuraria a substância, o Governo a forma; portanto,
são indissociáveis. Razão pela qual, muitas vezes, são confundidos, porque o
Governo é que aparece personificando o Estado e atuando em seu nome.
Entendo que é por
impulso de volição da sociedade civil que nasce o Estado, este por sua vez,
pelo ato primordial da política civil, se manifesta fisicamente como Governo, a
quem é delegada a defesa dos interesses comuns. E, para consecução de suas
prerrogativas é-lhe facultado o Poder, i.e., a potência total de agir, ou mesmo
possibilidade de que o humano possa determinar comportamentos do homem. Enfim, o
humano se agregou para autoproteção, pensou o Estado, e deste, conformou o
Governo, outorgando-lhe o Poder. Tal potência, agindo em nome da sociedade
civil, tem na sua ontogênese a incumbência de proteger o interesse comum, para
tanto, detém a faculdade da Política Pública, cuja essência é o apaziguamento
dos conflitos e a minoração das desigualdades. Contudo, o interesse prevalente,
entorpece a criatura monstruosa, simulando naturalidade, pela metaforização da
cidadania, subverte o bem comum, agindo como ladrão estacionário, dilapidando
os bens civis até à medida de sua capacidade produtiva... E, o ciclo do status
(re)constitui as contingências histórico-culturais, intensificando a luta pela
sobrevivência.
O pensamento humano
evolui enquanto reverbera nesse ciclo do status. As contingências consubstanciam
espaços culturais historicamente demarcados. É nesse lócus que germina a ideia educação. Não é oriunda de política
pública, ao contrário; sua filogênese é o prazer gerado pela cidadania, como
prática do exercício da plenitude do direito civil. Não se confunde, nem sequer
na aparência, com a escolarização. Educo:
é o verbo latino cuja essência é conduzir.
Não se pode conduzi alguém pelo vazio, ou pelo nada. Educar pressupõe a ideia
de uma cartografia, de um território, onde se passeia, ludicamente,
vivenciando a natureza e inteligindo
as coisas dela. Esse é o conceito original de educação.
Infelizmente o
entendimento contemporâneo é de que educação é dever do Estado. De fato, não o
é! A escolarização talvez. Educar é privilégio exclusivo da sociedade civil, na
sua célula mais primordial. É dever sacrossanto da família; porque nesse
contexto é conduzir a vida, conforme John Dewey: a educação não é para a vida ela é a própria vida. É imperativo que
cada sujeito social seja imbuído dessa tarefa. É uma questão de preservação da
espécie. Primitivamente somos gregários, mas também almados racionais; nossos
sentidos nos conduzem, pela
percepção; a natureza nos dá exemplo de que somos capazes de aprender. Se o
aprender é um potencia natural humana a educação é a potencia que atualiza a
aprendizagem, i.e., ajuda-nos a passar da potencia ao ato; atualizar, no
sentido aristotélico, passar da possibilidade à ação, que é o sinal mais
elementar de vida.
Se educar não é
prerrogativa do Estado, qual é, pois, o seu papel? É, portanto, prover todos os meios, para que aqueles
que têm potencialidade de ensinar como se conduzir pela vida, possam perpetrar
o ato educacional; pela ludicidade, pela autenticidade, pela experienci(ação),
pela reflexão e, sobretudo, pela utilidade. O homo economicus propugna a
maximização da utilidade. Para tanto, o habitat físico da educação formal, a
escola, não pode ter caráter punitivo, delimitador, mas libertário e
amancipatório, onde o aprendiz seja causa, necessária e suficiente, do processo
de desenvolvimento intelectual. Por conseguinte, o papel estatal é alocar
recursos e fiscalizar sua aplicação, para consecução dos objetivos da
instituição escola. Nesse âmbito a escola é autônoma, gerida pela comunidade
educacional, com perspectiva de maximizar o desenvolvimento holístico do
aprendiz.